Guia da história das esquerdas brasileiras
Documentos
História do marxismo no Brasil (CEVEP-UFMG)
Esta página do site do Centro Virtual de Estudos Políticos (UFMG) disponibiliza vários documentos das esquerdas brasileiras.
Manifesto da Frente Única Antifascista ao povo do Brasil (julho de 1933)
Programa da Aliança Nacional Libertadora (março de 1935)
Estatuto da Aliança Nacional Libertadora (extrato) (março de 1935)
Manifesto da Frente Única Antifascista ao povo do Brasil
Frente Única AntifascistaPublicado orinalmente em O Socialista, 16/07/33, p. 7
Ao proletariado, principal força da população brasileira, contra o qual se levantaram as hostes sanguinárias da reação capitalista;
aos trabalhadores de todas as profissões e nacionalidades, que na indústria, no comércio e na lavoura, constituem o dínamo propulsor da economia nacional;
aos marinheiros, aos soldados, aos oficiais inferiores e a todos aqueles que, no Exército e na Marinha, continuam a ansiar pela vitória da grande causa da liberdade.
aos estudantes, aos jornalistas, aos escritores e poetas da nova geração, aos intelectuais que não se vendem nem se corrompem e acompanham com a sua inteligência e a sua cultura a marcha tumultuosa do desenvolvimento social;
aos industriais, lavradores e comerciantes pobres, vítimas do regime da concorrência mercantil e da acumulação;
às camadas intermediárias da sociedade, que a demagogia fascista procura utilizar na realização dos seus propósitos sombrios;
ao grande povo do Brasil, torturado e perseguido pelo despotismo dos governos reacionários e da plutocracia financeira, através de séculos de miséria e opressão.A FRENTE ÚNICA ANTIFASCISTA
dirige a sua saudação fraternal, na hora mais trágica que a História registra para os destinos de toda a humanidade.
* * *
Cidadãos ! Homens Livres ! Companheiros ! Camaradas !
No instante épico em que as massas populares de todos os países, sacudidas pelo desespero de uma crise econômica sem exemplo, se lançam denodadamente à luta contra os seus opressores, as forças reacionárias que constituem a reserva política da classe detentora do poder procuram destruir todas as conquistas da liberdade e da democracia, organizando tropas mercenárias recrutadas entre os elementos desclassificados da escória social, com o fim de transformar toda a organização governamental num sistema de banditismo especialmente destinado a arrancar do povo todos os recursos de luta e de defesa.
Para opor uma barreira de resistência a esse fenômeno mundial que obedece ao denominador comum do FASCISMO, é que se coligaram em São Paulo todos os partidos políticos, sindicatos operários e organizações jornalísticas que continuam a sustentar, nas linhas dos seus programas, a reivindicação da mais ampla liberdade de pensamento, reunião, associação e imprensa, [sem] restrições de qualquer natureza.
A consolidação do fascismo na Itália, a vitória dos nacional-socialistas alemães e a combinações que, nos diferentes países, se vêm fazendo dos meios legais da democracia com os processos tenebrosos das milícias mussolinescas, tornam cada vez mais premente a necessidade de uma ação comum contra o inimigo que nos ameaça.
No Brasil, se bem que esse mesmo fenômeno não resulte diretamente de condições objetivas locais, dado o atraso lamentável em que ainda se encontra o movimento operário, existem entretanto, outros fatores bastante ponderáveis que nos levam a considerar, não só como provável, mas como perfeitamente lógico, o triunfo de uma aventura fascista ou fascistizante, se não forem tomadas em tempo as medidas práticas para uma contra?ofensiva. Se, verificada a existência desses fatores, entre os quais se encontra, em primeiro plano, o caráter mundial da economia capitalista determinando, na situação de crise generalizada, a necessidade de uma política mundial correspondente, o baixo grau de organização da classe trabalhadora, diante da repercussão do fenômeno em nosso país, só pode constituir mais um obstáculo à ação de resistência.
O fascismo conta, entre nós, não só com a oportunidade internacional que lhe favorece a expansão, como possui ainda o auxílio moral e material das agências consulares dos países fascistas e dos elementos estrangeiros que tivemos a desgraça de importar e que o apoiam dentro das suas respectivas colônias. É o que explica o relativo êxito que vem tendo, em vários Estados e no próprio coração da Capital da República, a organização de seus bandos militarizados.
Conta, além disso, o fascismo brasileiro com um aliado natural, que o sustentará no momento preciso e que, por sua incontestável influência sobre as camadas retardatárias da população, torna ainda maior a gravidade do problema. Queremos referir?nos à Igreja Católica. Esta, como se sabe, foi sempre uma força reacionária em todas as transformações sociais do passado, colocando?se invariavelmente, como instituição parasitária, ao lado da classe dominante. Daí a necessidade, vital para ela, de readatar?se [readaptar?se] às novas situações criadas, aproximando?se, depois dos fatos consumados, de cada nova classe detentora do poder. Ora, acontece que, no atual estágio do desenvolvimento histórico, a igreja compreende a impossibilidade de adaptar?se ao sistema social que sucederá ao capitalismo, uma vez que, com o desaparecimento das classes, se tornará praticamente impossível a sobrevivência de toda e qualquer instituição parasitária. Eis porque, continuando, como no passado, a defender sempre a classe que se encontra no poder, a Igreja Católica se vê obrigada a utilizar os recursos extremos, os "remédios heróicos", para a salvação da burguesia. Trata?se aí, para ela, de uma questão de vida ou de morte, pois tem um grande poder de discernimento e uma velha experiência política para compreender, com relativa facilidade, que a questão do desaparecimento do capitalismo está ligada a do seu próprio desaparecimento.
Como vemos, existem condições de ordem política, e mesmo material a demonstrarem que não são de todo vãs as esperanças dos fascistas brasileiros. E é a consideração desses fatos que põe na ordem do dia com mais força e oportunidade do que nunca, o problema da luta contra o fascismo.
Entre nós, onde a capacidade de resistência do proletariado revolucionário é ainda muito reduzido, a política de frente única se apresenta, por isso mesmo, como o único recurso de defesa. Esta verdade elementar foi compreendida ainda em tempo, por um grande número de organizações do S. Paulo, que sem abdicarem dos seus programas próprios e sem perda de sua autonomia e liberdade de crítica, resolveram unir?se contra o inimigo comum, numa sólida Frente Única Antifascista, cujos princípios básicos são os seguintes:
"1 ? Sob a denominação de Frente Única Antifascista, coligam?se em São Paulo, sem distinção de credos políticos ou filosóficos, todas as organizações antifascistas, com estes objetivos comuns:a) combate às idéias, ao desenvolvimento e à ação do fascismo;
b) luta pela mais ampla liberdade de pensamento, reunião, associação e imprensa;
c) reivindicação da garantia do ensino leigo e da separação da Igreja e do Estado;
d) formação de um bloco único de ação contra o fascismo.2 ? Todas as organizações coligadas conservarão a sua plena autonomia e inteira liberdade de crítica. Os atritos que se verificarem entre as organizações, fora da esfera de ação antifascista, nunca poderão servir de motivo para o rompimento da Frente Única. A estabilidade desta será garantida por um programa comum de ação, em cujo desenvolvimento não se ferirão os pontos de divergência ideológica existentes entre as organizações coligadas."
Cidadão ! Companheiros !
O fascismo significa a miséria, a opressão, o espezinhamento das consciências. Começa por destruir todas as organizações do proletariado e acaba por se tornar o senhor absoluto, "integral", que não respeita ideologias, nem admite divergências. Nem comunistas nem socialistas, nem anarquistas, nem democratas, poderão existir sob o seu jugo. Fere e amordaça, esmaga e assassina. As escolas, as universidades, a imprensa, as instituições administrativas e científicas, ?? tudo, sem exceção, obedece ao seu controle e ao seu domínio. Não existe garantia de qualquer espécie, nenhuma segurança se oferece aos cidadãos. Os domicílios são violados, os lares constantemente invadidos para as perseguições. O Homem do povo fica reduzido à situação de um animal acorrentado, que não fala, nem pensa, nem escreve, nem trabalha, senão sob o chicote dos seus verdugos. A dignidade humana, a fraternidade, a ligação confiante entre os homens desaparecem. Cada indivíduo vê no seu semelhante um inimigo e um espião que o entregará, na primeira oportunidade à ferocidade dos governantes. O fascismo é a morte certa para os que protestam e a volta à barbárie para os que ficam. Acima de quaisquer interesses de classe ele é, essencialmente, desumano é anti-humano.
É o problema da legítima defesa de todo o povo o que se coloca presentemente diante de nós. Luta contra o fascismo é, no sentido mais literal, lutar pela própria existência.
Cidadãos !
Organizemos, em todo o Brasil, a Frente Única Antifascista !
Consagremos o dia 14 de julho como a primeira jornada contra o fascismo internacional !
Lutemos corajosamente, com a nossa consciência e com a nossa vontade, contra o inimigo comum !
Abaixo o fascismo !
Viva a Liberdade !
S. Paulo, 14 de julho de 1933
A Frente Única Antifascista
Programa
da
Aliança Nacional Libertadora
1. Não pagamento nem reconhecimento das dívidas externas;
2. Denúncias dos tratados antinacionais com o imperialismo;
3. Nacionalização dos serviços públicos mais importantes e das empresas imperialistas que não se subordinem às leis do governo popular revolucionário;
4. Jornada máxima de trabalho de oito horas, seguro social (aposentadoria etc.), aumento de salários, salário igual para trabalho igual, garantia de salário mínimo, satisfação dos demais pedidos do proletariado;
5. Luta contra as condições escravagistas e feudais de trabalho;
6. Distribuição entre população pobre, camponesa e operária das terras e utilização das aguadas, tomadas sem indenização aos imperialistas, aos grandes proprietários mais reacionários e aos elementos da Igreja que lutem contra a libertação do Brasil e a libertação do povo;
7. Devolução das terras, arrebatadas pela violência, aos índios;
8. Pelas mais amplas liberdades populares, pela completa liquidação de quaisquer diferenças ou privilégios de raça, de cor ou de nacionalidade, pela mais completa liberdade religiosa e a separação da Igreja do Estado;
9. Contra toda e quaisquer guerras imperialistas e pela estrita união com as Alianças Nacionais Libertadoras dos demais países da América Latina e com todas as classes e povos oprimidos.
(Reproduzido em FREITAS, Valter de Almeida. ANL e PCB: mitos e realidade. Santa Cruz do Sul, SC, EDUNISC, 1998. p. 127-128.)
Estatuto da Aliança Nacional Libertadora Dos fins
Art. 1o: “A Aliança Nacional Libertadora, [...] é uma associação constituída de aderentes individuais e coletivos, com o fim de defender a Liberdade e a Emancipação nacional e social do Brasil”.
(Reproduzido em FREITAS, Valter de Almeida. Op. Cit.:. p.166.)